Agências de checagem se tornaram recorrentes na discussão pública sobre a disseminação de notícias falsas. No Brasil, elas se multiplicaram nos últimos anos, quase sempre associadas a algum poderoso veículo de comunicação: a Fato ou Fake é vinculada à Globo, a Agência Lupa ao UOL e a Estadão Verifica ao Estado de São Paulo.
“Você já recebeu textos, áudios, fotos ou vídeos suspeitos no WhatsApp? Por sua facilidade de uso e quase onipresença nos celulares dos brasileiros, o aplicativo é uma ferramenta muito usada na proliferação de notícias falsas. É por isso que o Estadão Verifica criou um canal para receber rumores dos leitores e checar os que estiverem circulando com mais frequência. O número para contato é (11) 99263-7900.” Assim o Estadão Verifica pede a colaboração com relatos de informações suspeitas divulgadas pela internet, para que eles verifiquem.
Semana retrasada Quem a homofransfobia não matou hoje? se deparou com uma notícia falsa publicada no portal E+, do Estadão.
O portal dizia que “Jovem negro, entre 10 e 29 anos de idade. Esse é o perfil das pessoas que mais cometem suicídio no Brasil nos últimos quatro anos.”
A afirmação publicada pelo jornalão sediado no bairro paulista do Limão, é duplamente falsa: quanto à etnia, a maior parte dos suicidas brasileiros é composta por brancos e, quanto à idade, a maior parte dos suicidas se situa na faixa acima dos 30 anos de idade. Estes foram os perfís étnico e etário da maior parte dos suicidas brasileiros entre os anos de 2012 e 2018 (os últimos com dados tabulados) e podem ser confirmados através de alguns cliques no portal TABNET, pelo qual o Ministério da Saúde divulga suas estatísticas de mortalidade.
Sim, entre os jovens há mais suicídios de negros (como a matéria do Estadão se refere aos pretos e pardos) que de brancos, os dados do Ministério da Saúde apontam isto. Entretanto, afirmar que a maioria dos jovens suicidas é negra (preta/parda) é totalmente diferente de afirmar que a maioria dos suicidas são jovens negros (pretos/pardos).
A primeira informação é real, o que o Estadão divulga na matéria assinada pela repórter Camila Tuchlinski é a segunda informação, e esta é falsa. É fake news, para usar o anglicismo da moda.

Seguindo uma sugestão do seguidor José Luiz e atendendo ao pedido do Estadão Verifica, enviei uma mensagem pelo número de celular indicado na página da agência de checagem e pedi na página do Facebook de Quem a homotransfobia não matou hoje? para que outros seguidores o fizessem.
Esforços inúteis. Não houve qualquer resposta, não houve checagem, não houve publicação de errata. A informação duplamente falsa de que a maioria dos suicidas brasileiros seja jovem e negra continua lá, no portal do Estadão.

Não, desta vez o Estadão Verifica não verificou, mas qualquer pessoa pode verificar as informações aqui contidas, acessando o TABNET e buscando as prevalências de raça e idade para mortes por “Lesão auto-provocada”, que é o campo onde estão reunidos todos os registros de suicídio.
Você irá confirmar que – por exemplo – no ano de 2018 morreram 6 264 pessoas brancas e 6 099 pessoas pretas/pardas vítimas de suicídio (mesmo que a população preta/parda seja maior do que a população branca no Brasil). Vai verificar também que, ao contrário do que desinforma o Estadão, a faixa etária com maior número de suicidas é a que vai de 30 a 39 anos: em 2018, foram 2 637 suicídios cometidos por pessoas desta faixa etária. E também vai atestar que a maior parte dos suicidas (cerca de 2/3) tem mais do que 30 anos de idade (a matéria do Estadão desinforma ao afirmar que a maioria dos suicidas tem entre 10 e 29 anos).
O motivo de mentir sobre este tema é o mesmo motivo que leva grandes veículos a mentirem sobre diferença salarial entre homens e mulheres ou a mentirem sobre violência homofóbica: é necessário cultivar cuidadosamente o sentimento sectarista e vitimista em alguns grupos (negros, mulheres e LGBTs), para lucrar com este ressentimento coletivo cuidadosamente forjado. Se os dados não suportam a tese de que jovens negros correspondem à maioria das vítimas de suicídio no Brasil, o Estadão falsifica um pouquinho a informação. Não custa nada.

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