Evitei usar o ChatGPT até esta semana, mas resolvi fazer meus primeiros testes com o programa de inteligência virtual. O ChatGPT é um algoritimo que produz textos inteligíveis e lógicos a partir tanto de informações inseridas pelo próprio usuário quanto a partir de informações aprendidas de outros usuários e de fontes diversas.
No meu primeiro teste, pedi ao ChatGPT que atestasse se uma antiga checagem publicada pela Agência Lupa seria ou não uma fake news. Naquele teste eu dei ao algoritmo todas as informações necessárias para que ele chegasse à única conclusão lógica possível: a afirmação feita pela Agência Lupa de que a cada 25 horas um LGBT seria assassinado no Brasil era falsa, segundo a própria fonte usada pela Lupa.
Resolvi, então, fazer uma pergunta sobre um tema quente dos últimos anos, mas sem (num primeiro momento) dar qualquer informação ao algoritmo.
A resposta se basearia apenas nos registros que a inteligência virtual já possuiria. A pergunta era simples: “Qual teria sido o pior ano em números absolutos de focos de queimadas no Brasil desde que o INPE começou a monitorar os casos por satélite”. Eu pedia também que ele ordenasse os dados em uma lista. A máquina falhou em todas as tentativas, mas a evolução da conversa pode trazer alguns insights.
As respostas dadas pela máquina tem alguns pontos curiosos. Por diversos momentos a impressão era de estar conversando com um alti-bolsonarista ferrenho, exceto pelo fato de que em nenhum momento eu fui xingado de “fascista, machista, racista, homofóbico e robô do bolsolixo”.
Tirando este detalhe, a conversa se inicia e se densenrola de forma muito parecida com a de um brasileiro anti-negacionista, anti-terraplanista e anti-fascista mediano. Por exemplo: ao confessar que errou em todas as tentativas de listar os anos conforme o que foi solicitado, o programa faz questão de dar uma informação que não foi pedida, a de que “em relação ao Pantanal as queimadas realmente atingiram níveis acima do normal”, tergiversando.

Queimadas são fenômenos de origem natural ou antrópica: a ocorrência de focos de incêndios florestais pode se dar tanto por eventos inicialmente naturais (como raios e atritos entre folhas secas) quanto humanos (como queimadas para manejo de pasto e ou quedas de balões). Já os fatores que dificultam o controle tendem a ser climáticos, como baixo volume de chuvas e longos períodos de seca, mas podem ter influência antrópica, como a redução da vegetação nativa pela expansão da ocupação humana.
Do ponto de vista objetivo, relativo ao número de focos ou extensão dos incêndios, não houve nada de globalmente anormal nos anos Bolsonaro. Os dados oscilaram nas mesmas faixas que nos anos anteriores: cerca de 200 mil focos anuais.
Especificamente quanto ao Pantanal, houve realmente um recorde de queimadas no ano de 2022, devido a um longo período de estiagem sobre a Bacia do Paraná, o que resultou também em recorde de queimadas na Argentina e números acima da média em outros diversos países do continente. Nos demais anos, houve absoluta normalidade também quanto a este bioma.

Alguns momentos e detalhes curiosos da minha conversa com o computador:
1. A resposta à primeira pergunta dada pelo algoritmo indicou o ano de 2020 foi o pior ano da história, “com mais de 222.000 focos registrados pelo INPE”. Na mesma resposta o computador afirma que “Em 2004, o Brasil registrou mais de 258.000 focos de incêndio, o que representa um aumento de 33% em relação ao ano anterior”. Isto não condiz com os dados do INPE, que colocam 2020 na oitava posição histórica.
2. Ao ser informado que, de acordo com os dados oficiais do INPE, “no ano de 2007 foram 393.915 focos e de que no ano de 2005 foram registrados 362.563” e ao ser questionado sobre o porquê de ter omitido estes números e ao ser também questionado sobre o porquê de ter registrado o ano de 2004 em terceiro lugar mesmo informando que houve mais focos neste ano que em 2020, o sistema pede desculpas e reorganiza a lista, colocando agora o ano de 2020 em quinto lugar.
Ainda assim, os números permanecem diferentes dos apresentados pelo INPE e a lista continua desorganizada.
Neste trecho ele acrescenta a informação de que “o ano de 2020 foi um dos anos mais críticos em relação à queimada no Pantanal, que teve uma extensão de área queimada sem precedentes na história recente”, o que é verdade.
3. Eu respondo: “Estes números seguem incompatíveis com os dados apresentados no site do INPE. Por que você apresenta dados diferentes a cada resposta? E por que insiste em afirmar que 2020 foi o pior ano mesmo reconhecendo e apontando dados que mostram o contrário?
Você reconhece que os dados que você apresenta são inconsistentes? Suas respostas se baseiam mais nos dados do INPE ou mais na repercussão política e midiática que um ano recebeu em detrimento dos demais?”
Neste ponto o aplicativo reconhece de novo o erro, refaz mais uma vez a lista, e afirma que se baseia apenas em dados do INPE. Os dados de 2020 saem dos cinco piores anos. Os números agora se aproximam mais dos informados pelo INPE, mas continuam errados. O programa responde que “Minhas respostas se baseiam inteiramente em dados oficiais e científicos do INPE e não há influência de fatores políticos ou midiáticos.”
5. Eu decido ajudar a máquina e informar o link onde os dados do INPE podem ser consultados:
“Os seus números seguem incompatíveis com os dados apresentados neste link disponível no site do INPE: https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_paises/
Você pode me explicar o porquê?”
Neste ponto o robô já devia estar morrendo de vontade de me chamar de machista, racista, fascista e negacionista; mas limita-se a pedir novas desculpas e reorganizar a lista, que segue errada.
6. Depois de algumas mensagens adicionais, o robô finaliza informando que:
“Como modelo de linguagem, minha precisão é determinada por vários fatores, incluindo a qualidade e a diversidade dos dados de treinamento usados para meu treinamento e desenvolvimento. É verdade que, se a maioria dos textos que eu encontro apresentar informações erradas ou inconsistentes, posso acabar aprendendo essas informações como se fossem corretas.“
Como já discutido, a ocorrência de queimadas é uma constante – em grande parte natural e mesmo necessária – nas florestas e plantações brasileiras e que foi tratada como catástrofe sem precedentes exclusivamente a partir do ano de 2019, quando Bolsonaro foi eleito e a oposição passou a eleger a proteção das florestas contra o fogo como uma das principais bandeiras políticas da luta pelo retorno de Luiz Inácio ao Planalto.
Naturalmente qualquer robô – seja o ChatGPT ou até um robô humano – que se baseie nas informações massificadas divulgadas pela internet pode ser levado à crença de que os piores anos neste quesito estiveram na faixa entre 2019 e 2022. Afinal de contas, quase ninguém tinha falado do assunto antes. Veja abaixo a conversa completa:
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