A polêmica da semana reside na autorização de compra de alguns milhares de comprimidos de citrato de sildenafila pelo Governo Federal. A medicação tem como função mais famosa o tratamento de disfunção sexual masculina, mas tem outras aplicações médicas. Grande imprensa e ativistas antibolsonaristas têm destacado especialmente o fato de que boa parte destas compras se destina às Forças Armadas, especialmente à Marinha. O destaque se dá pelo fato de que Jair Bolsonaro é militar e tem entre os militares boa parte de sua base de apoio.
Entretanto informações relevantes têm sido omitidas pela grande imprensa no trato dessa nova “grave acusação”. Uma delas é a de que o abastecimento de serviços de saúde federais, inclusive os militares, com sildenafila não é novidade do atual governo.
As três Forças Armadas, bem como as muitas universidades públicas federais, mantém hospitais e outros serviços de saúde, como laboratórios e farmácias de distribuição. Através destes hospitais e outros serviços de saúde, o governo federal vem adquirindo citrato de sildenafila por toda a última década. Os dados que serão informados aqui podem ser checados no Portal Transparência através deste link: https://www.portaltransparencia.gov.br/download-de-dados/licitacoes .
Como a checagem total dos dados seria bastante trabalhosa e desnecessariamente demorada (os dados estão separados em planilhas individualizadas por mês, que abrangem todo o período desde 2013 até agosto de 2021) a apresentação será feita por amostra, mas você pode aplicar suas próprias varreduras utilizando o link acima.
ABRIL DE 2013| TRÊS MIL CENTO E VINTE CINCO COMPRIMIDOS NEGOCIADOS
Comecemos pelo mês de abril de 2013. Naquela data Dilma Rousseff estava em seu primeiro mandato. Ninguém imaginava que o inexpressivo deputado carioca, cujo feito político mais significativo havia sido um bate-boca com uma deputada que o acusara falsamente de estupro e o ameaçara de agressão enquanto ele dava uma entrevista televisiva, se tornaria Presidente da República. O Governo Federal, sob o comando da socialista, fez um “pregão de registro de preço” e duas compras de sildenafila na modalidade “dispensa de licitação”.

Os comprimidos negociados naquele mês não se destinavam a nenhum órgão das Forças Armadas, mas a duas universidades federais e ao Ministério da Saúde. A Universidade Federal da Bahia fez pregão de registro de preço tendo em vista a compra de 2400 comprimidos. O Ministério da Saúde comprou 720 comprimidos e a Universidade Federal de Mato Grosso comprou 5, em ambos os casos, na modalidade “dispensa de licitação”.
Cabe um esclarecimento. Na verdade, um “pregão de registro de preço”: um procedimento licitatório em que não se compra imediatamente o produto, mas em que se firma um acordo de que se aquele produto for comprado futuramente, a empresa que apresentou a melhor oferta terá preferência. Portanto, os números apresentados sob esta categoria não necessariamente se converteram em compras pelas unidades gestoras responsáveis.
Por que uma universidade precisaria de sildenafila? Universidades geralmente mantém hospitais acadêmicos, e foram efetivamente dois destes hospitais as unidades gestoras responsáveis pelos respectivos editais.
Uma coisa que chama a atenção nos três contratos é o preço: os 5 comprimidos comprados pela UFMT custaram a bagatela de 315 reais: 63 reais a unidade. Uma caixa com quatro unidades de 50 mg custa hora 13,08 reais no site da Drogas Raia. Nos outros dois contratos os preços ficaram em pouco mais que 10 reais a unidade, ainda bem acima do preço normalmente negociado no varejo.
2015 | NO PRIMEIRO ANO DO SEGUNDO MANDATO DE DILMA ROUSSEFF O GOVERNO FEDERAL NEGOCIA MAIS DE DUZENTOS MIL COMPRIMIDOS DE VIAGRA
Vamos agora ao ano de 2015, já no segundo mandato da ex-presidente. Consegui compilar todas as compras deste ano, através das 12 tabelas mensais disponibilizadas no Portal Transparência. O Portal também apresenta compras realizadas pelos governos estaduais, mas vamos tratar aqui apenas do Governo Federal.
Naquele ano as Forças Armadas negociaram 17316 comprimidos. O Ministério da Saúde foi responsável por contratos relativos a 132524 unidades, a maioria dos medicamentos por este órgão foi comprada na modalidade “dispensa de licitação”. 9 universidades federais realizaram 15 pregões de registro de preço indicando 24104 unidades do fármaco. A Fiocruz também fez um pregão relativo a 500 unidades do remédio. Finalmente, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares abriu pregão de registro de preço para a compra de 26468 comprimidos.
As unidades das Forças Armadas responsáveis pelos editais foram hospitais militares como o Hospital de Guarnição de João Pessoa, do Exército e o Hospital Naval do Recife, da Marinha. No caso das universidades federais, os editais foram conduzidos por hospitais acadêmicos: entre eles, o Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense.
OUT-DEZ 2016 | LABORATÓRIO DA MARINHA CELEBRA CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA COM LABORATÓRIO PRIVADO
O vice de Dilma Rousseff já havia assumido, estávamos sob o governo emedebista de Michel Temer. A passagem de Temer pelo Planalto foi notabilizada por um esforço na redução de gastos públicos, mas isto não impediu que os órgãos subordinados à Presidência da República continuassem comprando medicamentos a ser destinados aos hospitais públicos federais.
Em outubro foram 1080 compras sem licitação pelo Ministério da Saúde e 90 na mesma modalidade pela Universidade Federal de Santa Catarina. As universidades federais do Triângulo Mineiro e de Minas Gerais abriram pregões indicando mais 1080 unidades do medicamento.

No mês seguinte houve apenas um pregão realizado pela Universidade Federal de Alagoas, através de seu hospital universitário. O número de comprimidos indicado no edital foi de 100 unidades.
No último mês de 2016 foram realizados 10 pregões de registro de preço pelo Governo Federal. As unidades gestoras responsáveis pelos editais foram o Hospital Militar de Área de Porto Alegre, pertencente ao Exército; o Instituto de Puericultura e Pediatria da UFRJ; o Hospital Federal do Andaraí, vinculado ao Ministério da Saúde e localizado no Rio de Janeiro; o Hospital Universitário Julio Muller, da UFMT; e o Departamento de Logística em Saúde, do Ministério da Saúde. A soma de comprimidos anunciados nos editais de dezembro de 2016 foi de 15932.
Foi também no quarto trimestre de 2016 que a Marinha celebrou um contrato de transferência de tecnologia com a empresa farmacêutica EMS. Uma das cláusulas deste documento é o fornecimento de comprimidos da empresa privada à Marinha durante a etapa de transferência de informação técnica.
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