Nunca na história desse país, tantas leis que tratam mulheres de maneira privilegiada no âmbito criminal foram aprovadas em um único ano.
Houve um tempo, até o longínquo ano de 2006, em que crimes cometidos contra homens e contra mulheres eram julgados com base na exata mesma lei.
Não existia diferença prevista na lei para o caso de um casal de lésbicas que matasse uma criança do sexo masculino, para o caso de um casal de heterossexuais que matasse uma criança do sexo masculino ou para o caso para um casal de heterossexuais que matasse uma criança do sexo feminino, por exemplo.
Para a lei – até o fatídico ano de 2006 – se um casal espancasse uma criança até à morte – pouco importava se os assassinos eram lésbicas, gays ou héteros, e pouco importava se a vítima era um menino ou uma garota. O que importava eram a gravidade das lesões, a recorrência dos atos, o desfecho da violência.

Tampouco existia diferença prevista na lei entre o caso de uma mulher que matasse o marido, por meio de fogo, movida por ciúmes, enquanto ele estivesse dormindo e o caso de um homem que matasse uma mulher, por meio de fogo, movido por ciúmes, enquanto ela estivesse dormindo.
Coube a governos de esquerda, abertamente feministas, a honra de criar as duas legislações que abririam caminho para que esse cenário de igualdade fosse mudado.

Foi durante o governo de Luis Inácio que a Lei Sexista Maria da Penha foi criada: ela previa – em seu texto original – alguns poucos tratamentos discriminatórios no caso de homens acusados de agredir suas esposas.
O mais relevante deles era a possibilidade de expulsão automática de uma pessoa de sua própria residência, caso ele tivesse sido meramente acusado por uma mulher, mesmo antes da apresentação de qualquer prova ou defesa: era o surgimento do instituto da “medida protetiva de urgência”.

Já a Lei Sexista do Feminicídio estabeleceu que crimes de homicídio no âmbito doméstico – em que a vítima seja mulher – sejam tratados como infrações de maior gravidade em comparação a homicídios em circunstâncias idênticas em que a vítima seja homem.
Desta forma, assassinatos covardes contra pessoas do sexo masculino – como esquartejamento do menino Rhuan Maycon da Silva Castro – são tratados por uma lei mais branda que assassinatos análogos de pessoas do sexo feminino, podendo gerar penas de até 6 anos de pena a menos, a depender do caso.
GOVERNOS SEGUINTES IMPULSIONARAM O AVANÇO
Em 2016 um longo predomínio de governos de esquerda foi derrubado por meio de um processo de impeachment.
Sucederam-se um breve governo de 2 anos, mais ao centro, e um governo conservador-populista que se elegeu com um retórica que incluía uma certa narrativa anti-feminista, sobretudo por parte de alguns dos aliados principais da chapa.

Em torno da candidatura se reuniram críticos vogais do “feminismo”, eram ativistas mais preocupados com temas como aborto, estética e moral sexual do que com leis sexistas e privilegismo de gênero, como a “ex-feminista” Sara Winter.
Já durante o governo, uma ministra afirmou que “Feministas não gostam de homens, porque são feias” enquanto pregava em uma igreja pentecostal (esta mesma ministra já veio a reconhecer, posteriormente, que ela própria é uma feminista que depila o suvaco).
Diversos dos apoiadores diretos do governo gostam de ser identificados como “opositores do feminismo”, como a deputada catarinense Ana Campagnolo, que chegou a escrever um livro sobre o tema.

E Jair Bolsonaro talvez tivesse mesmo tudo pra de fato ser antifeminista: ele foi alçado ao estrelato depois de ter sido falsamente acusado de estupro por uma feminista. Foi condenado ter ironizado a ausência de beleza de uma mulher que o havia acusado falsamente de um crime hediondo (e que não recebeu pena alguma por isso).
A lei Maria da Penha tem – entretanto – recebido diversos acréscimos durante o primeiro ano de governo Bolsonaro, mais do que havia recebido em qualquer ano desde sua entrada em vigor, em 2006.
Foram 6 leis sancionadas por Jair Messias Bolsonaro – após ampla aprovação no Congresso, em todos os casos – que alteraram um total de 23 artigos (seja pela inclusão ou pela modificação do texto) na lei que trata de forma diferente crimes idênticos – no âmbito doméstico – a depender do sexo da suposta vítima.
Em 2018 haviam sido duas leis: a 13.641 e a 13.772, resultando em sete alterações. Em 2017 foram 13 tentativas de modificações, mas 3 foram vetadas por Michel Temer, sendo 10 as sancionadas: todas dadas pela mesma Lei 13.505. Em 2015, apenas uma, dada pela Lei Complementar 150.
Antes disso, a Lei Sexista Maria da Penha seguia conforme sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva. Desta maneira, temos que – das 40 ampliações ao original texto sexista da Lei Maria da Penha. Veja algumas das mais recentes.
PENA PECUNIÁRIA PARA AGRESSORES, APENAS SE A VÍTIMA FOR MULHER
Em novembro do ano passado, um homem foi preso acusado de incendiar uma casa: na residência dormiam duas pessoas. Uma mulher adulta, e um menino de sete anos. De acordo com a polícia, o crime teria sido cometido porque o homem não aceitava uma separação amorosa com a vítima adulta.
Se for condenado, o juiz poderá arbitrar uma pena em dinheiro a ser paga pelo homem, como forma de compensação ao Sistema Único de Saúde pelos dias que a mulher adulta passou internada em dois hospitais, antes de morrer. O menino também ficou dias internado, antes de morrer, mas o homem não poderá ser condenado a ressarcir os gastos em favor do menino.
Isto porque a Lei 13 871, sancionada em setembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro determina que “Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a MULHER fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.”
Enzo Gabriel Martins de Souza era um menino. A pena prevista no texto acima não se aplica a crimes cometidos contra meninos, apenas contra pessoas do sexo feminino. Além disso, não caberá, entre as circunstâncias usadas para majorar a pena de homicídio contra a criança, a qualificadora do “feminicídio”.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER
Uma forma exclusiva de crime “contra a mulher” é a definida pelo inciso II do artigo 7 da Lei Sexista Maria da Penha.
Por este inciso, uma das formas de violência contra a mulher é “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
O artigo foi modificado pela Lei 13 772 de 2018, sancionada por Temer, para a inclusão de mais alguns termos.
O texto poderia bem ser resumido em “são formas de ‘violência contra mulher’ quaisquer manifestações que desagradem uma mulher”.
É certo que algumas destas palavrinhas soltas implicam na verdade em crimes também previstos no Código Penal: a limitação ao direito de ir e vir pode ser constrangimento ilegal, cárcere privado ou sequestro a depender dos meios, dos fins e do tempo de retenção; a ameaça já é crime per si, previsto pelo artigo 147 do CP; mas como definir “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima”? Esta é uma descrição que não se aproxima de qualquer violência prevista no Código Penal, e que vem sendo usada muito sabiamente por mulheres e advogados de mulheres nos tribunais. O advogado Eduardo Camargo recentemente revelou um caso dramático de aplicação exatamente deste trechinho da lei em sua página de Facebook.
APREENSÃO DA ARMA DE FOGO AOS QUE TENHAM POSSE OU PORTE LEGAL
Policiais, prestadores de serviço de segurança privada ou quaisquer cidadãos que tenham direito a posse ou porte de arma de fogo podem ter o direito restringido ou suspenso mediante a Lei Maria da Penha.
Obviamente isto só vale para acusações – mesmo sem prova ou qualquer evidência – feitas por uma mulher.

ALGUMAS DAS PRÓXIMAS LEGISLAÇÕES PREVISTAS

Damares Alves anunciou – em outubro de 2019 – a pretensão de propor um projeto de lei que impeça agressores de mulheres a ocuparem cargos públicos por cinco anos. A ideia é afetar tanto os já concursados ou contratados – que seriam exonerados ou demitidos – quanto os pleiteantes (que seriam impedidos de assumir qualquer cargo público por 5 anos).
O detalhe é que para outros crimes a exoneração – no caso dos servidores já concursados – só é aplicada em caso de pena privativa de liberdade superior a 4 anos .
Já a proibição de assumir novo cargo é mais controversa nas atuais legislação e jurisprudência, mas não há uma lei ordinária federal que determine que qualquer pessoa seja proibida de tomar posse durante condenação ou após ela.
O que existem são normas – amplamente entendidas como lícitas pelas instâncias judiciais superiores – em que os órgãos públicos eventualmente estabelecem investigação social dos candidatos, investigação esta que pode incluir até condenações já cumpridas ( você pode saber mais sobre isso aqui e aqui e aqui).
O problema é que – se aprovado o projeto – apenas para o caso de “agressores de mulheres” haveria uma norma universal, prevista em lei ordinária federal, para todo e qualquer concurso.
Pense em um casal hipotético que cometa mútuas violências e em que ambos são condenados. Ambos são funcionários públicos, professores municipais.
Ele é condenado, com base na Lei Maria da Penha, por injúria: chamou a mulher de vagabunda, put_ e piranh_ nas redes sociais. Como fez isso diversas vezes, o juiz decidiu aplicar a pena máxima: seis meses em regime aberto.
Ela é condenada, com base apenas no Código Penal, por lesão corporal grave: atirou óleo fervendo na perna dele, causando severas cicatrizes e necessidade de meses de tratamento, mas sem incapacitação permanente. Foi condenada, digamos, à pena mínima: 1 ano em regime aberto.
Pela proposta de Damares Alves, ele seria exonerado e passaria 5 anos sem poder assumir cargo público. Ela continuaria lecionando (isto é claro na Constituição Federal) e poderia tomar posse em novos empregos públicos (se as normas estabelecidas pelo órgão contratante permitissem).
Isto é: um condenado por um crime muito mais brando, receberia uma pena prática de restrição de direitos imensamente superior, capaz de lhe arruinar completamente a vida.
Este projeto ainda não está em tramitação, tendo sido anunciado por Damares como “mera intenção” à imprensa, mas – em sentido semelhante ao proposto por Damares – já tramita um projeto de lei de autoria do senador Romário. Neste caso, Romário não propõe a exoneração dos já concursados e nem a proibição de nova contratação por 5 anos. Da mesma forma, Romário propõe que apenas condenações no âmbito da Lei Maria da Penha sejam impeditivo expresso de não contratação. Ou seja: continuará não existindo nenhuma lei ordinária federal que expressamente impeça a contratação de assassinos ou assaltantes ou agressoras de homens (ainda que na prática estes possam ser impeditivos aplicados pela administração pública), mas passaria a existir uma lei que expressamente proíba a contratação de homem que mande a namorada tomar no olho do c _ (o que consiste em injúria, “violência” prevista no texto da LSMP)

Outro ministro de Bolsonaro: o ex-juiz Sergio Moro, anunciou recentemente que pretende enviar um conjunto de propostas para aumentar a pena de agressores de mulheres.
Não especificou exatamente as propostas, mas como a pena para agressores de mulheres já é – no texto das leis atuais – superior à pena para agressores de homens, qualquer proposta será no sentido de aumentar o sexismo legal já existente.

Enquanto isso, o PLS 381/2018 – de autoria do ex-senador Cristovam Buarque – está em tramitação avançada no Senado Federal, já tendo sido pautado para votação.
Pelo projeto, homens condenados pela Lei Maria da Penha poderiam ter seus patrimônios tomados definitivamente num limite de até 1 milhão de reais (é engraçado o texto, porque ele estabelece limite de 100 mil reais em um parágrafo para noutro dizer que o limite pode ser estendido por até 10 vezes, então, na prática).
Denuncie seu marido por lesões que você mesma cometeu em si e corra o risco de levar o apartamento dele inteirinho, livre de impostos, não é uma maravilha? (Como todos os tratamentos legais acima, não é necessário mencionar de novo, que eles só valem em casos em que uma mulher seja a suposta vítima: a gente só lembra pra você não esquecer).

Já passou pelo Senado, e agora tramita na Câmara dos Deputados, a PEC 75/19, de autoria de Rose de Freitas.
Por esta PEC, assassinatos como o do menino Davi (este das perninhas cheias de hematomas no começo do post, assassinado por duas lésbicas), continuariam prescrevendo em 20 anos. A morte de Tercio Andrade (o rapaz queimado pela namorada enquanto dormia, também exibido numa das fotos acima) também deixaria de ser punível após um prazo de 20 anos. Apenas assassinatos de mulheres passariam a ser imprescritíveis.
A proposta passou por unanimidade no Senado Federal e deve ser facilmente aprovada na Câmara. Como é uma PEC, não precisará de sanção presidencial para entrar em vigor.
Em breve assassinatos como os cometido contra Davi Gustavo Marques de Souza, Luan Henrique Dantas, Kyriakos Amiridis, Marcos Kitano Matsunaga , Marcillio Pereira da Silva Neto e até latrocínios como o cometido contra Tereza Ramos da Silva devem continuar prescrevendo em 20 anos.
Já “crimes mais graves” – como a morte de Eliza Silva Samúdio – se tornariam imprescritíveis.

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