Mulheres não são quase 67% das vítimas de violência no Brasil, entenda

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Vou começar este post com uma analogia simples: tão simples que até um feminista dos mais fanáticos será capaz de entender.

Imagine que você deseja descobrir se no prédio em que você mora há mais flamenguistas ou vascaínos.

Você mora no terceiro andar, e o prédio tem quatro andares. Você decide que no terceiro andar você vai perguntar aos seus vizinhos se eles são flamenguistas ou vascaínos, e vai marcar no seu caderninho de pesquisa.

Você também decide que no primeiro, no segundo e no quarto andares você só vai anotar no caderninho se a resposta for “sou vascaíno”. Se a resposta for “sou flamenguista” você vai ignorar e não fará nenhuma anotação no caderninho.

No final da pesquisa você declara – durante a reunião de condôminos – que a maioria dos moradores – segundo os seus dados – são vascaínos.

ENTENDEU O PROBLEMA?

Creio que até se você for bem feminista, daqueles que consideram a Djamila Ribeiro uma grande intelectual, você seja cognitivamente capaz de compreender a desonestidade da pesquisa descrita acima.

Ao desconsiderar os flamenguistas do primeiro, do segundo e do quarto andar, você criou um viés explícito, que favorece de maneira descarada a vitória da torcida do Vasco na pesquisa.

Pois foi exatamente do mesmo modo que a ONG feminista Gênero e Número (uma ONG orgulhosamente patrocinada com a grana quase infinita da Ford Foundation) conseguiu produzir a “informação” de que quase 67% das vítimas de agressão no Brasil são mulheres. “Informação” esta que agora vem sendo divulgada por grandes órgãos de mídia brasileiros.

Deixa eu explicar os métodos da Gênero e Número.

A ONG feminista (composta por uma equipe exclusiva de mulheres feministas) se baseou nos dados do Sistema de Informações de Agravo de Notificação: o SINAN.

Segundo as feministas, dos alegados 209 580 casos de violência física notificados ao SINAN em 2017, mulheres foram vítimas em quase 67% dos casos.

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Conclusão divulgada por ONG não pode ser inferida a partir de uma análise honesta dos dados. Erro reside na definição de caso.

VIÉS EXPLÍCITO

O que a ONG não contou em seu “estudo” é que os critérios para notificação no SINAN variam de acordo com o sexo, impedindo a comparação pura e simples dos dados absolutos masculinos e femininos.

Atente para o box no começo do formulário da ficha de notificação individual para violência interpessoal/auto-provocada.

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Ficha de Notificação de Violência do Ministério da Saúde determina que violências contra homens só sejam notificadas em casos excepcionais, por exemplo: se o homem for homossexual.

Perceba que quando a violência é contra uma mulher a notificação é SEMPRE obrigatória – independente da idade, sexualidade, etnia, et cetera – enquanto quando for contra homens ela só será obrigatória em alguns casos – a depender da idade, etnia, sexualidade, et cetera.

Isto equivale exatamente à analogia entre vascaínos e flamenguistas, onde você registrava todos os vascaínos do prédio, mas só registrava os flamenguistas se eles morassem no terceiro andar, lembra?

É uma forma obviamente desonesta de comparar os números, que invalida qualquer conclusão.

Apenas por uma nova analogia, para que você perceba de uma vez por todas o absurdo: suponha que você – um homem branco heterossexual de cerca de 30 anos -, sua esposa e o irmão gay da sua esposa sejam baleados por assaltantes. Todos vocês são socorridos, ainda vivos, e levados a um hospital.

PARTE 6
Carlos Souza, de 35 anos, e a mulher Fernanda Correia, de 40 anos, foram baleados e internados num hospital público do Rio. Pelas regras do Ministério da Saúde, a violência contra ela deveria ser notificada ao SINAN; a contra ele, não.


As agressões contra sua esposa e contra o irmão gay da sua esposa serão notificadas no SINAN, mas a agressão contra você não será.

É isto que está escrito logo no cabeçalho da ficha individual de notificações de violência interpessoal e auto-provocada do SINAN.

E é isto que explica o fato de que a maioria das agressões NOTIFICADAS no SINAN sejam contra mulheres.

OS NÚMEROS NÃO BATEM

Checando os dados do SINAN em 2017 eu encontrei não 209 580 casos de violência física – como informado pela ONG. Foram 193 060, dos quais 141 141 teriam sido contra mulheres e 51 850 teriam sido contra homens (o restante das vítimas são pessoas cujo sexo não foi identificado na ficha).

A diferença aí seria até maior: 73,10% das violências físicas notificadas são contra mulheres.

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Mas lembre-se: para pessoas entre os 20 e os 60 anos o SINAN – por padrão – só recebe notificações de violência contra mulheres (exceto no caso da vítima ser homossexual ou indígena ou deficiente físico ou vítima de violência doméstica ou auto-provocada…) e se você entendeu a analogia dos vascaínos vs flamenguistas no começo do texto, então você sabe que não dá pra comparar estes números, de maneira nenhuma.

VIESES IMPLÍCITOS E INCONSISTÊNCIAS, SINAN: USE COM MODERAÇÃO

Expliquei mais acima a existência de um viés explícito no SINAN, se você é minimamente saudável cognitivamente, honesto e conhece a metodologia do SINAN (estou assumindo que as feministas da Gênero e Número conheçam) então você sabe que não dá para comparar os números totais das vítimas masculinas com os números totais das vítimas femininas, já que as regras para inclusão dos dados no sistema variam com o sexo e excluem – de antemão – boa parte das vítimas homens.

Mas o SINAN tem outros indícios de inconsistência e vieses implícitos, que precisam ser considerados na leitura dos dados.

O SINAN é alimentado por profissionais de saúde de unidades públicas e particulares de todo o país.

Toda vez que um enfermeiro, um psicólogo, um médico identifica uma das agressões que fazem parte da lista de notificações compulsórias em seus atendimentos, eles devem informar ao SINAN.

Um dos vieses prováveis embutido nos dados é a diferença entre grupos demográficos na busca por atendimento hospitalar.

Sabemos que adultos jovens buscam menos atendimento de saúde que idosos e crianças. Sabemos também que homens são mais negligentes com a busca por atendimento em saúde que mulheres. Desta maneira, um número mais alto de um grupo em comparação a outro PODE não representar necessariamente que há mais vítimas neste grupo, mas que as vítimas deste grupo buscam mais socorro. Isto deve ser considerado numa leitura honesta.

Outro ponto é que – curiosamente – as notificações de violência contra meninos registradas no SINAN diminuem com a chegada da adolescência, embora as notificações sejam compulsórias para ambos os sexos até os 19 anos.

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Dados do SIM e do SINAN (ambos sistemas epidemiológicos do Ministério da Saúde) desenham cenários divergentes sobre os padrões de violência no Brasil. Leia mais sobre isso clicando no link ao final do post.

Isto é inconsistente com os dados de outras fontes (como o Sistema de Informação sobre Mortalidade) que mostram que é nesta fase da vida que os meninos se tornam muito mais propensos a sofrer violência. Isto pode indicar algumas hipóteses: ou que os meninos adolescentes passam a não buscar mais ajuda quando são agredidos – já que nesta época costuma se desvencilhar da necessidade de a mãe levar ao médico – ou que os profissionais de saúde se tornam menos preocupados em relatar agressões contra meninos adolescentes que com crianças menores e meninas da mesma idade. Podem ser as duas coisas.

O SINAN não é totalmente inútil para análises. Quem? #lesbocídio também o tem usado como base para algumas postagens da página. Mas a página procura ser mais criteriosa que a ONG feminista Gênero e Número, buscando apontar os cuidados na leitura mesmo daqueles dados que parecem apontar para uma leitura anti-feminista do cenário (como os que apontam mulheres (mães) e não homens (pais) como maiores e mais agressivas autoras de violência contra crianças).

LEIA TAMBÉM: VIOLÊNCIA CONTRA HOMENS DIMINUI A PARTIR DA ADOLESCÊNCIA? SIM, SINAN E CONFIABILIDADE DOS DADOS EPIDEMIOLÓGICOS

2 respostas para “Mulheres não são quase 67% das vítimas de violência no Brasil, entenda”.

  1. Avatar de Iracema Pamplona Genecco
    Iracema Pamplona Genecco

    Seu trabalho é o que eu esperaria de qualquer jornalista intelectualmente capacitado e honesto na sua forma de pensar. Infelizmente, isso praticamente inexiste no cenário da que se diz imprensa. Parabéns! Seus textos deveriam também ser levados em classe. Por acaso, tens algo já publicado? (Desculpa se desconheço). Se não, providencie urgentemente. As plataformas das redes não são confiáveis. Vejo muita coisa desaparecer, primeiro das buscas, logo caem no esquecimento total.

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