A palavra paradoxo no título deste texto está entre aspas porque não há paradoxo algum em cenários complexos dependerem da leitura de mais de uma variável para serem compreendidos: o discurso feminista típico, contudo, não está acostumado a análises de cenários complexos sob uma soma ampla de variáveis.
Se mulheres ainda vão muito pior em matemática que os homens, prova de que a sociedade as oprime. Se as mulheres recebem remuneração média menor que os homens, prova de que a sociedade as oprime. Se as mulheres estudam mais anos em média que os homens e recebem a maioria dos diplomas universitários, prova de que são mais inteligentes e esforçadas e estão vencendo a opressão social contra elas.
O problema é quando se resolve olhar com atenção aos dados.
No Brasil, a fêmeas da nossa espécie são a maioria dos alunos e diplomados em todos os níveis de formação superior (graduação e pós lato e stricto) e 13 dos 20 cursos superiores mais frequentados têm maioria feminina entre os discentes.
O quadro não é restrito à nossa querida Pindorama. No Canadá, considerando pessoas com idade entre 25 e 34 anos, havia (dados de 2010) 100 homens com ensino superior completo para cada 125 mulheres. No Reino Unido (dados de 2017) cerca de 133 mil mulheres e cerca de 103 mil homens de 18 anos foram aprovados nos vestibulares do país. Nos EUA, 56% dos alunos atuais de ensino superior são mulheres.
Apesar deste cenário, organizações feministas em todo o mundo ainda clamam por “igualdade” no Ensino Superior: o projeto Elas nas Exatas, patrocinado pela ONU Mulheres (braço feminista das Nações Unidas), por exemplo, luta para que, no Brasil, as mulheres se tornem também maioria naqueles 7 cursos em que os homens ainda lideram o número de inscrições no vestibular. Só assim, defendem, teremos igualdade de fato.
Por que homens estão se diplomando menos?
A filósofa Christina Hoff Sommers aponta, como fator causal de destaque para explicar a derrocada dos meninos e homens nas escolas, a criação de um ambiente psico-sociológico hostil aos meninos e favorável às meninas.
Sommers, assim como eu, acredita que meninos e meninas têm comportamentos e modos de cognição padronizadamente diferentes por motivos biológico-evolutivos. Sommers entende que meninos foram moldados pela natureza biológica humana para serem mais arteiros, mais bagunceiros, mais violentos e competitivos em suas brincadeiras e interesses e que a escola contemporânea têm sido desenhada de forma que os deixa desconfortáveis. Brincadeiras competitivas têm sido substituídas por brincadeiras cooperativas, literaturas infantis fantásticas ou de batalhas (como histórias de super-heróis) têm muito menos lugar na escola do que literaturas água-com-açúcar sobre bichinhos falantes que vivem em fazendas sem conflitos.
Sommers acredita que ambientes como estes são pouco estimulantes para os meninos. Por este motivo os meninos não conseguiriam acompanhar as garotas no aprendizado, se sentiriam mal em continuar frequentando os estudos e sairiam dos cursos tão logo conseguissem.
A teoria de Sommers, apresentada de forma breve no vídeo acima, é interessante, mas tenho outras suposições, e vou as apresentar me amparando inicialmente em dados brasileiros obtidos a partir de alguns certames aplicados majoritariamente a concluintes do Ensino Médio: o ENEM e o vestibular UERJ.
A figura acima reúne os desempenhos por etnia autodeclarada (pardos+pretos vs brancos) e sexo. Observe que, entre os estudantes que se aplicaram ao ENEM 2017, os homens apresentaram melhor desempenho em todas as 4 competências objetivas. Foram também masculinas 722 das 1000 notas mais altas do certame.
Nas Ciências Humanas e em Linguagens a ordem foi homens brancos > mulheres brancas > homens negros > mulheres negras. Em Matemática e Ciências homens brancos e negros superaram mulheres brancas e negras.
Apenas na Redação do ENEM há notas maiores para as alunas que para os alunos, num padrão semelhante com o da nota geral, mas invertido. Nesta competência foram elas quem tiraram 70% das melhores mil notas.
Terá sido uma coincidência? Parece que não.
O Vestibular Estadual (UERJ) disponibiliza dados estatísticos por desempenho quanto ao sexo de todos os seus últimos exames. Dois resultados se sucedem ano após ano:
1. as mulheres são a grande maioria dos candidatos
2. os homens apresentam resultados médios claramente superiores ( observados pelos percentuais em cada um dos conceitos, por sexo).

Perceba como os estudantes do sexo masculino foram consistentemente pouco mais de 40% dos aplicantes nas quatro últimas edições. Agora perceba que eles foram também consistentemente mais de 40% dos candidatos que tiraram A (mais de 70% de acerto) e B (mais de 60% de acerto). Há uma tendência clara e imutável em crescente quando você olha para os percentuais de cada conceito da direita para esquerda.
Já as candidatas do sexo feminino, sempre entre 58% e 60% dos inscritos foram consistentemente a maioria dos que tiraram o único conceito que reprova em primeira fase (E, obtido por quem consegue menos de 40% de acertos). A tendência de crescimento é inversa.
Os achados a partir dos dados do ENEM e da UERJ são inconsistentes com a hipótese de Sommers. No Brasil, pelo menos, os meninos parecem estar indo ainda melhor na escola que as meninas, sobretudo nas competências associadas às ciências “duras”, mas vão melhores apenas quando conseguem continuar na escola. E é aí onde vamos parar na minha hipótese.
Por que apenas entre 41,8 e 40,6 (e decrescendo consistentemente a cada ano, ao que tudo indica em 2020 já serão menos de 40%) dos candidatos ao vestibular da segunda mais importante universidade do meu estado são homens?
É preciso olhar para fora da educação: olhemos para o trabalho.
O trecho textual acima e o gráfico foram extraídos de um documento publicado pelo IBGE em 2017. Pelos dados estatísticos oficiais 2 em cada 3 crianças com menos de 14 anos que estão em situação de trabalho infantil são meninos. A diferença diminui quase insignificantemente entre os adolescentes trabalhadores.
Não é difícil supor a relação positiva entre a inserção no mercado profissional e o abandono ou a queda de desempenho escolar/acadêmico.
Resultados do ENADE 2017 revelam um inequívoca correlação entre a condição de trabalho do aluno (ocupado ou desocupado) e as opções feitas no que diz respeito aos cursos superiores. A maioria dos inscritos nesta edição do ENADE e que trabalhavam faziam cursos tecnológicos ou de EAD, confirmando em números uma tendência altamente intuitiva de que pessoas inseridas no mercado de trabalho passam a ter muito menor disponibilidade a continuar estudando.
Um estudo diretamente focado na relação entre trabalho infantil, desempenho e evasão escolar nos países do Cone Sul indicou o mesmo:
“Observamos que os alunos que realizam qualquer uma dessas atividades (trabalhos domésticos ou fora de casa) obtêm notas, em média, menores do que os alunos que não as fazem. Isso indica que, mesmo que frequente a escola, os alunos que trabalham fora de casa ou realizam atividades domésticas no lar têm nível de aprendizado inferior. Ainda, o tempo gasto com tais atividades é inversamente proporcional ao desempenho escolar. Isto é, quanto maior o tempo gasto em cada uma dessas atividades, pior o desempenho dos alunos, em média, nos exames de proficiência. (…) O trabalho fora de casa, por sua vez, parece mais prejudicial, dado que, em média, o desempenho dos alunos ocupados em atividades fora do lar, para todas as jornadas de trabalho, é muito inferior ao desempenho dos que não trabalham”
A diferença entre os sexos neste campo não se resume apenas ao trabalho infantil, mas se estende ao longo da vida.
O gráfico acima representa as faixas de horas trabalhadas por homens e mulheres ocupados (isto é: que exercem qualquer atividade remunerada, mesmo que informal e/ou por conta própria) no Brasil.
Perceba que entre as mulheres o predomínio é destacado nas duas faixas de jornada de trabalho menos exaustivas, enquanto os homens predominam nas 3 cargas de trabalho mais exaustivas.
É certo que em média também as mulheres exercem mais atividades domésticas. Entre as mulheres ocupadas 92,2% delas faziam atividades domésticas e 75,8% deles com média de 9 horas de diferença semanal, desenhando um quadro inverso ao de horas trabalhadas fora de casa. Mulheres que não trabalham também tendem a exercer mais horas médias de atividade doméstica que homens que não trabalham. Todavia, como já demonstrado, a carga horária de trabalho doméstico tende a ser menos impactante sobre o desempenho escolar.
A grande questão ao meu ver, não é sobre como a escola se tornou indesejável aos meninos (ou tornou os meninos indesejáveis a ela) como Christina Hoff Sommers alega centralmente. Não considero que os argumentos de Sommers sejam negligenciáveis: de fato há diferenças entre os desempenhos masculino e feminino, interesses masculino e feminino, competências masculinas e femininas que são traçadas em nosso material genético, que foram escritas na escolha de nossas sequências dimórficas ao longo de milênios de trabalho cuidadoso da seleção natural e que unem às nossas diferenças de padrão de pelo no corpo e de tom de voz e de altura também diferenças de humor e de aprendizado.
A consistente superioridade masculina nas notas em matemática desde a mais tenra idade e a drástica redução desta diferença (com alguns casos de inversão) nas competências linguísticas não é novidade alguma para quem compreende o comportamento e a cognição humanos à luz da nossa natureza primária “biológica” e não apenas à luz de nossa natureza secundária “cultural”.
Sem dúvidas levo em conta os indicativos defendidos por Sommers de que se a escola adotasse métodos de ensino e interação que tivessem em melhor consideração as características infantis masculinas ao criar ementas de alfabetização, de letramento ou de educação física.
Mas no meu entender a grande variável a falar no campo das diferenças de desempenho escolar (diplomação e anos de escolaridade) entre meninos e meninas está na manutenção do papel de provedor ao macho da espécie, que também não foi (insisto) criado apenas pela “cultura” “machista” “patriarcal”, que também está inscrito nos nossos genes, mas que também pode ser pensado no campo das ações “culturais” humanas.
Enquanto meninos pobres continuarem ouvindo insistentemente que “Na sua idade seu avô já trabalhava vendendo bala no trem, vagabundo! Não tinha essa vida fácil de casa-escola-videogame-cama não!” ao mesmo tempo que suas irmãs se limitam a ser mandadas a lavar uns copos sujos na cozinha; enquanto mulheres continuarem repetindo que “Lá em casa o meu dinheiro é meu, o dinheiro do meu marido é nosso.” e homens continuarem aceitando este tipo de divisão de responsabilidades; enquanto homens continuarem a ser muito mais esperados sobre ter dinheiro na balada e continuarem se submetendo a esta esta expectativa, fazendo de tudo para obter um pouco mais de grana imediata a fim de não fazer mal com as meninas, as mulheres continuarão crescendo em proporção, ano após ano, entre os candidatos da UERJ, do ENEM e de todos os vestibulares do mundo ocidental, mesmo que venham a obter desempenhos médios piores que seus colegas heterogaméticos.
São estes os fatores que empurram homens para o domínio do trabalho infantil e para as jornadas de trabalho semanais mais exaustivas; são estes, portanto, os fatores que empurram os homens para fora das escolas e das faculdades, e não o baixo desempenho intelectual ou o menor esforço pessoal.
É difícil zerar estes fatores, eles provém de expectativas e comportamentos que foram também moldados em nós humanos juntos com os padrões de pelo, o tom de voz e as habilidades em matemática e comunicação, mas é importante, pelo menos, que trabalhemos com as variáveis corretas.
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